domingo, 30 de setembro de 2012

A GRAVE, MUITO GRAVE, QUESTÃO DO CAPITAL HUMANO NO BRASIL

Toda a conversa sobre a questão do desenvolvimento gira em volta de escolha de Estilos de Crescimento. Tanto podemos nos limitar a aproveitar o conhecimento já produzido fora e nos limitarmos a reproduzi-lo internamente ou como serviço ou como produto, nesse último caso continuando inseridos na cadeia produtiva mundial, como podemos ser mais arrojados e assumir que a pedra de toque que impulsiona o desenvolvimento é a produção de conhecimento.

A produção do conhecimento nos remete a existência de um ambiente institucional que faça o que as instituições fazem e bem: estimule e emule. Contudo instituições funcionam com base em pessoas. É onde chegamos na questão do capital humano. À parte qualquer debate basta ler na sequência as duas notícias abaixo para que se compreenda o tamanho do problema que está nas mãos de cada qual neste país. Cada qual. É inútil e nada eficiente bradar aos ventos que "a culpa é do governo". Não é não. Desde 1988 nossos governantes são eleitos.

Demetrio Carneiro

Profissionais qualificados formam nova onda migratória para o Brasil
Reportagem de VEJA mostra que, em três anos, o número de estrangeiros que receberam autorização de trabalho saltou de 43 000 para 70 000

Nota: Não vai ser com ataque de xenofobia que inventares os técnicos que não temos.

O mais grave dos riscos
O IBGE revelou uma notícia assustadora, mas não houve reação à altura. O Brasil tem um milhão quatrocentos e quinze mil crianças de 7 a 14 anos oficialmente analfabetas pelo registro da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad). E de 2009 a 2011 caiu — sim, é isso, caiu — o percentual de jovens de 15 a 17 anos na escola. Será que é assim que queremos vencer?

Nota: Em algumas cidades do DF o percentual de adultos que não conclui o ensino básico chega a mais de 50%.

sábado, 29 de setembro de 2012

A PRODUÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM ALTAS ALTITUDES: UMA NOVA E ESPETACULAR FONTE DE ENERGIA RENOVÁVEL?


 Progresso, consumo humano, preservação de recursos não renováveis e tecnologia: quem vence a corrida entre a depleção e a tecnologia?

O termo “depleção dos recursos naturais” cada vez mais aparece na mídia. Basicamente estamos falando que o processo de consumo e produção na escala que se dá fatalmente pode levar ao fim o estoque de recursos naturais como minérios, combustíveis fósseis etc. Aliás, este é o ponto central do embate entre pensadores ligados à economia neo-clássica e pensadores ligados à economia ecológica.

Os pensadores ligados à economia neo-clássica partem da hipótese de que nunca chegaremos ao esgotamento total dos recursos naturais dado ao rápido crescimento das tecnologias substitutivas ou de reaproveitamento. Combustíveis fósseis podem ser substituídos por combustíveis derivados de biomassa, a reciclagem cada vez mais viabiliza o reaproveitamento de materiais e assim por diante. Os pensadores ligados à economia ecológica defendem que a tecnologia não só não dá soluções tão rápidas quanto aumenta o consumo de recursos naturais, como a próprio reaproveitamento não se dá ao infinito. Claro que é um debate envolvendo a questão das futuras gerações, sua sobrevivência e qualidade de vida.

Nesse contexto é natural que a existência e viabilidade em algum momento das próximas décadas de meios de produção de energia em quantidades espetaculares e totalmente renovável tenha relevância, mesmo que isso passe desapercebido da grande mídia. Daí a importância do detalhado artigo, um verdadeiro balanço do setor, publicado no blog Yale Environment 360 intitulado High-Altitude Wind Energy: Huge Potential — And Hurdles”, de autoria do jornalista free lancer americano David Levitan, que publicamos abaixo em tradução livre.

Demetrio Carneiro





Sistema terra/ar da Makani Power

Engenho da Makani


                                                                Engenho da Magenn

                                                                 Engenho da Ampyx


                                                                Engenho da EnerKit

PRODUÇÃO DE ENERGIA EÓLICA EM ALTA ALTITUDE: MUITO POTENCIAL E MUITAS BARREIRAS

Turbinas eólicas são cada vez mais comuns na paisagem, a cerca de 90 metros do chão, com suas enormes pás girando rápido. Contudo não é a 90 metros que os ventos são mais rápidos. Os ventos são rápidos e consistentes em altitudes bem superiores, chegando ao máximo nas correntes de jato a 8 quilômetros de altura ou mais.

Com a energia eólica convencional enfrentando todo tipo de obstáculos – a intermitência dos ventos, o amplo espaço necessário para as instalações, o “que-não-fiquem-perto-de-mim” etc. – a geração de energia  eólica na atmosfera envolve muitas incertezas e problemas regulatórios.  A despeito dos diversos desafios técnicos e regulatórios um crescente número de pequenas empresas trabalha pesado para solucioná-los nos próximos anos, com numerosos desenhos e ideias visando colher energia eólica bem alto nos céus.

“O potencial é incrivelmente grande” disse Cristina Archer, professora associada de ciência dos oceanos e engenharia  de Universidade de Delawere. Archer e colega publicaram uma das duas detalhadas análises sobre o total de energia que pode ser retirado dos céus do planeta com o objetivo de gerar energia elétrica. A outra pesquisa foi desenvolvida pelo bem conhecido cientista do clima Ken Caldeira, do Instituto Carnegie e da Universidade de Stanford. Ambos estudos apontam para uma oferta muito mais ampla na energia eólica aproveitada nas altitudes do que na convencional ao nível do solo.

Mas Caldeira e outros também dizem que embora haja todo um potencial de longo prazo a engenharia e as questões regulatórias são formidáveis, particularmente para empresas interessadas em utilizar as correntes de jato.

“Eu estaria relutante em re-hipotecar a minha casa com a finalidade de oferecer recursos de investimento  para essas empresas, pois imagino que a chance de serem competitivas nos próximos anos são muito remotas”. Entretanto ele acredita que, apesar de todos os obstáculos, a indústria eólica das altas altitudes é a candidata ideal para a pesquisa pública e apoio financeiro.

As questões são complexas: Como sustentar com segurança turbinas aéreas a centenas de metros do solo; como mantê-las lá sem incorrer em altos custos de manutenção; como lidar com o tráfego aéreo?

Contudo os interessados argumentam que algumas de suas alternativas são mais baratas e mais fáceis de serem implementadas do que suas congêneres no solo. Custos de construção ao dispensar as torres de aço e concreto podem ser bem menores e os mecanismos de acompanhamento da mudança de direção do vento são desnecessários.

A premissa básica da geração eólica nas altas altitudes é ligar um dispositivo aéreo ao chão e deixá-lo voar nos ventos fortes gerando energia e enviando-a pelo cabo de ligação para o solo. Em terra as turbinas eólicas são padronizadas, mas no ar os desenhos variam muito e parece que tudo é possível. Há desde asas rígidas em carbono com diversos mini-geradores até papagaios que usam a tensão do fio de ligação para gerar energia.  Algumas técnicas parecem mais adaptadas para uso em alta escala em fazendas de vento, outras parecem mais adequadas para projetos menores.

Uma empresa que parece estar mais próxima de uma solução é a Makani Power, de Alameda, na Califórnia. Já foram sete os protótipos de asa rígida desenvolvidos pela empresa em numerosos testes de voo nos últimos seis anos. O último protótipo foi capaz de gerar 30 KW de energia. Com um fundo patrocinado pelo Googles e pela ARPA-E (agência americana de financiamento de pesquisas e projeto em energia) no montante de U$ 20 milhões a Makani pretender partir para a construção de um novo protótipo com 28 metros de envergadura e capaz de geral 600 kw, o suficiente para manter a energia elétrica de 150 casas. Corwin Hadham, fundador e CEO da Makani diz que a empresa se interessa em desenvolver e deverá partir para a produção de turbinas espaciais para serem utilizadas em Fazendas de Vento[1] offshore(1). Pensando no futuro Hardham esperar que sua empresa possa produzir uma versão gigante capaz de produzir 5 MGW, com 64 metros de envergadura para essas fazendas de vento.

“É onde realmente focamos, o mar”. Hardham pensa poder produzir lá energia a 6 cents de dólar o kw/hora. Mais barato que a energia convencional eólica de offshore da Europa e competitivo com a energia gerada pelo carvão e pelo gás.   

Outra empresa que busca desenvolver projetos de Fazendas de Vento é a Ampyx Power da Holanda, que tem uma empresa independente de pesquisas baseada na Universidade de Delf. O engenho aéreo da Ampyx é um planador que gera energia movimentando sua linha de ligação conectada a um gerador no solo. O engenho desliza no ar a uma altura que varia de 300 a 600 metros. “A próxima geração poderá ter capacidade entre 250 e 500  KW contínuos”, disse o fundador da empresa Richard Ruiterkamp.

“Voamos de forma autônoma por cerca de um ano”, disse Ruiterkamp. “Antes  do fim do ano teremos completado o ciclo e acumulado um bom número de horas”. “O próximo passo será funcionar diversos  dias sem intervenção humana”. A empresa espera poder iniciar a construção de Fazendas de Vento nos próximos anos.

Duas outras empresas desenvolvem ideias drasticamente diferentes. São a Magenn Power, da Califórnia e a Altaeros, de Boston. O dirigível de hélio da Magnenn flutua a 300 metros de altura e o balão gira, movido pelo vento, entorno de um eixo horizontal. Essa tecnologia é o desenho mais próximo de um pássaro que se possa imaginar, não tem lâminas rotatórias e tem desenvolvido seus testes com muito sucesso.

A Altaeros também usa um balão de gás, mas com outra lógica. O balão envolve as lâminas e o corpo da turbina fica no centro. Basicamente funcionará como uma turbina eólica convencional, mas a 300 metros de altura. A empresa testou recentemente um protótipo, com sucesso, e relatou que a 100 metros o dispositivo gera duas vezes mais energia do que a 30 metros.

Esses projetos com balões infláveis , assim como o ultra-leve construído pela Windlifit, da Carolina do Norte, parecem ser mais adequados a consumidores fora da rota convencional de distribuição de energia, em regiões remotas, dados seu fácil transporte e rápida montagem, disse um executivo da indústria de energia eólica em altas altitudes.

“Trabalhamos por resultados em pequenos esquemas de produção, ao contrário de outras empresas maiores”, disse Andy Stough, vice-presidente de engenharia da Windlift. A empresa recebe um substancial financiamento do U.S. Marine Corps que espera poder fornecer energia para suas bases mais remotas com o kit ultraleve, evitando o caro e perigoso transporte de diesel para seus geradores locais.

O modelo da Windlift é uma asa voadora de 12 metros de envergadura que para, atualmente, a 150 metros de altura, com o controle e o gerador no solo. Além da demanda dos marines Stough diz que qualquer situação onde for necessário fornecimento remoto de energia em lugares de difícil acesso – comunicação móvel, desastres e tudo o mais – pode demandar um sistema desse tipo. Uma empresa alemã chamada Enerkite utiliza um sistem com desenho similar e está bem perto de obter resultados. Ambas as empresas têm realizado testes satisfatórios.

P.J. Shepard, co-fundador  de um grupo industrial chamado Airbone Wind Energy Consortium, diz que o progresso dos protótipos de geração de energia eólica nas altas altitudes foi impressionante nos últimos anos. “Algumas empresas se motraram capazes de prover a geração de energia elétrica em volume significativo, outras mostraram algum nível de controle autônomo, muitas estão planejando... Fazendas de Vento”, disse.
Entretanto ir além da escala de protótipo pode ser difícil. Especialistas da indústria pensam que sem um forte suporte governamental, instalando cerca de 1 gigawatt de energia eólica gerada nas altas altitudes (no solo estão instalados 50 GW)[3], poderá levar 20 anos ou mais para as coisas acontecerem. Quem sabe uma eternidade a depender da redução das emissões, se isso for a meta. “Com um relativamente modesto investimento de U$ 100 milhões anuais talvez se possa obter 1 GW em 10 anos”, disse o executivo.

Algumas grandes empresas como a Honeywell e a 3M mostraram algum interesse, mas os maiores desenvolvedores da energia eólica de solo— Siemens, GE, Vestas e outros — não foram além dos primeiros passos 

Sem maiores investimentos alguns dos desafios específicos da engenharia pode ser difíceis de superar. De acordo com uma pesquisa industrial, feita pelo grupo não-lucrativo Near Zero o problema principal, que persiste, é a confiabilidade: No sentido de ser viável os engenhos aéreos precisam poder voar por muito tempo com pouca manutenção.

Quando falamos das vantagens dos ventos de alta altitude, Caldeira comenta que tão alto quanto as correntes de jato é o preço real. O poder da densidade das correntes de jato é cerca de 100 vezes maior do que a luz solar carregando uma célula fotovoltaica estandarde. “O fato de não haver nenhuma outra fonte de energia renovável com tal abundância e tal densidade informa que precisamos tentar explorar isso”, diz Caldeira. Mas a diferença em necessidades de engenharia ente um dispositivo que voa a 300 metros e outro que voa entre 6 e nove quilômetros de altura é enorme.

Além das questões de pesquisa e desenvolvimento outro grande desafio é a regulação. O quê exatamente é um dispositivo com a envergadura de 24 metros, ligado por cabo ao chão, voando em círculos a 300 metros de altura? É um avião? Uma “construção” ou um “obstáculo”? Não existe uma norma regulatória clara para a indústria, embora em 2011 a US Federal Aviation Administration tenha iniciado um processo sistemas de inclusão dos dispositivos eólicos aéreos na estrutura de governança. Atualmente os testes estão limitados a 152 metros de altitude, embora as correntes de jato estejam bem longe disso.

“Não há como operar sem alguma aprovação formal das autoridades”, diz Ruiterkamp da Ampyx. Mas ele adverte sobre as dificuldades de começar uma estrutura regulatória a partir do zero, seja na Holanda onde está sua empresa, seja nos EUA. “Se você precisar definir tudo por si mesmo, como uma indústria, pode levar cerca de 15 anos e não saberá a quais resultados chegará” dizRuiterkamp. Ele pensa que convencer as autoridades a trabalhar dentro do ambienta regulatório que já existe para aviões tripulados, partindo então para os não tripulados é o melhor caminho.

Segurança e regulações correlatas não são questões triviais. E o dispositivo 5-MW da Makani que está em construção? É um engenho com a envergadura de 64 metros. Aproximadamente a mesma de um Boeing 747. Se algo desse tamanho perde o cabo de suporte e vai ao chão há óbvios riscos. Também o M600 é basicamente do mesmo tamanho de um Boeing 747. Evidentemente se chegarmos à escala das Fazendas de Ventos esses mamutes voando a 300 metros de altura e amarrados a cabos não poderão acontecer sem um estrito controle regulatório.

Apesar dos obstáculos os defensores da proposta dizem que a magnitude da energia do vento nas altas altitudes fazem todo o trabalho valer. “Se o recurso total é de 100 Terawatts, 1000 ou 2000, não sei exatamente”, diz Archer. Mas independentemente do número real a energia do vento de alta altitude é “muito maior do que provavelmente precisaremos”, conclui.

Notas
[1] Fazendas de Vento -Wind Farms em inglês - ou Parques Eólicos, é nome dado a uma área onde se dispõe um conjunto de turbinas eólicas destinadas à geração de energia.

[2] São Fazendas de Vento instaladas no mar, afastadas do litoral, normalmente na linha do horizonte.

[3] A Associação Brasileira de Energia Eólica e o governo definiram uma meta de alcançar 10 gigawatts de capacidade de energia eólica até 2020, dos atuais 605 megawatts, com outros 450 megawatts em construção.

TRIBUTAÇÃO E FELICIDADE




“O resultado do estudo feito pelo IBPT, com a criação do IRBES, evidencia a falha do Estado brasileiro em proporcionar um elevado bem-estar e felicidade social, o que pode ser justificado, por exemplo, com a constante propagação das negligências dos serviços públicos, consideradas por Amartya Sen como fator limitador do desenvolvimento social.”

Há um intenso debate sobre o PIB. Evidentemente ele importa, pois o ritmo de crescimento informa a eficácia ou não das políticas públicas e o potencial de resposta aos eventos que vão se dando no tempo. Duas referências essenciais à produção das ações de governo e essenciais à orientação dos agentes econômicos.

Tudo certo, mas já sabemos que produto é um conceito de riqueza total da sociedade e não como ela se distribui pela sociedade. Recentemente o governo divulgou levantamento do IBGE comparando pesquisas (PNAD) de 2009 e 2011. A conclusão é que nesses dois anos o espaço entre os mais ricos e os mais pobres se reduziu. Era de de esperar tendo em vista que a massa salarial vem crescendo desde 2003 num ritmo real, isto é, acima da inflação.

O problema é que mesmo reduzida a diferença o atual ritmo de incremento da redução será sempre muito lento frente à todos os obstáculos ora existentes. O principal deles é que o ganho acelerado se dá ou pela produtividade, quesito onde não vamos bem,  agregando a qualificação do Capital Humano, quesito em que também não vamos bem e um ritmo de fortes investimentos, onde também não vamos bem. Principalmente investimentos no conhecimento, onde idem...

Enfim, redução de fato da desigualdade da renda não se dá por decreto presidencial, embora muita gente ache que é possível, e depende de profundas transformações, que por sua vez dependem de vontade política. A lógica dos atalhos, de não invadir zonas de conforto, do atual governo e do passado não favorece mudanças mais profundas.

Seja como for algumas questões permanecem relevantes em qualquer contexto. Uma das principais é a relação entre o tributo apropriado da sociedade com a finalidade de manter e financiar o Estado e seu aparelho e o retorno desta renúncia à poupança ou ao consumo das famílias e indivíduos, medido em termos objetivos, capazes de serem quantificáveis.

Entre as maiores arrecadações tributárias do planeta, arrecadação de primeiro mundo, o Estado brasileiro não oferece serviços e equipamentos de primeiro mundo. Uma parte sabemos que vai pelo lado do desperdício da ineficiência, outra parte fica na rede neopatrimonialista, mas alguma coisa sobra e virá resultado. Um dos indicadores deste resultado é o IDH [1]. Então tem todo o sentido comparar IDH com o quanto se tributa e tentar extrair daí uma indicação sobre "felicidade". Claro que é um conceito extremamente relativo e muito abstrato. Mas se imaginarmos a "felicidade" como um dado nível de qualidade de vida que pode ser medido por indicadores como os presentes no IDH talvez tenhamos algum termo de comparação passível de ser utilizado entre nações, pelo menos.

A proposta, abaixo, do IBPT seria válida até mesmo para comparação entre estados brasileiros. O Distrito Federal, por exemplo, tem o maior IDH brasileiro, mas também tem a maior tributação per capita. O problema aqui é que a tributação logo abaixo do DF é do Rio e é a metade, contudo o IDH do Estado Rio não é a metade do IDH do DF...A nós do DF resta a indagação: para onde vai o nosso dinheiro? Pergunta que os demais brasileiros deverão fazer ao ler o estudo do IBPT.

[1] Claro que o IDH não é um indicador apenas da ação do Estado, mas da ação conjunta de toda a nação. Mas como tem componentes das diversas políticas públicas serve como uma "medida" objetiva do resultado da ação efetiva do Estado. 

Demetrio Carneiro

TRIBUTAÇÃO E FELICIDADE

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) lançou, em 2012, a segunda versão do seu estudo sobre a Carga Tributária Brasileira versus o IDH, resultando assim na criação do Índice de Retorno de Bem-estar à Sociedade (IRBES). A edição 2012 do estudo da relação da carga tributária versus retorno dos recursos à população em termos de qualidade de vida se deu com a utilização de índices recentes e atualizados sobre a arrecadação tributária nacional e o IDH pátrio.

O estudo teve por objetivo mensurar os 30 (trinta) países de mais elevada carga tributária (arrecadação tributária em relação à riqueza gerada - PIB) e verificar se os valores arrecadados estariam voltando à população, através de serviços públicos de qualidade, que viessem a gerar bem estar à população.

Para tanto, o IBPT utilizou dois parâmetros considerados essenciais para o tipo de comparação pretendida: A Carga Tributária (arrecadação em relação ao PIB), obtida junto à OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, referente ao ano de 2010 (última atualização) e também o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, conforme dados do PNUD - (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), com a previsão do índice final para o ano de 2011.

Conforme registrado no estudo, a carga tributária é a relação percentual obtida pela divisão do total geral da arrecadação de tributos do país em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal) em um ano, pelo valor do PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, a riqueza gerada durante o mesmo período de mensuração do valor dos tributos arrecadados, sendo, como exemplo, no Brasil: (Ano de 2010 / Arrecadação tributária em R$ mil = R$ 1.291.000 / PIB: R$ 3.674.922 / Carga Tributária = 35,13%).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por sua vez, é uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem estar infantil. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbubul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, em seu relatório anual.

O IDH é um índice que serve de comparação entre os países, com o objetivo de medir o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. Este índice é calculado com base em dados econômicos e sociais. O IDH vai de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1, pode-se afirmar que esse país é o que atingiu maior grau de desenvolvimento.

Para atingir o objetivo do estudo sobre Carga Tributária versus IDH, o IBPT providenciou a criação de um índice que pudesse demonstrar o nível de retorno à população dos valores arrecadados com tributos, em cada país. Tal índice, denominado IRBES – Índice de Retorno De Bem Estar à Sociedade, é resultado da somatória da carga tributária, ponderada percentualmente pela importância deste parâmetro, com o IDH, ponderado da mesma forma.

Dentre alguns dos resultados encontrados, afirma-se que ao se considerar os 30 países com a maior carga tributária, o Brasil continua sendo o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em prol do bem estar da sociedade (destaque nosso. DC). Ademais, a Austrália, seguida dos Estados Unidos, da Coréia do Sul e do Japão, são os países que melhor fazem aplicação dos tributos arrecadados, em termos de melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos. Tem-se ainda que o Brasil, com arrecadação altíssima e péssimo retorno desses valores, fica atrás, inclusive, de países da América do Sul, como Uruguai e Argentina.

O IRBES é decorrente da somatória do valor numérico relativo à carga tributária do país, com uma ponderação de 15%, com o valor do IDH, que recebeu uma ponderação de 85%, por entender o IBPT que o IDH elevado, independentemente da carga tributária do país, é muito mais representativo e significante do que uma carga tributária elevada, independentemente do IDH. Assim sendo, o IDH teve um peso bem maior para a composição do índice.

Um estudo deste tipo pode ser útil de diversas maneiras. Determinados investimentos da arrecadação tributária em políticas sociais, por exemplo, implicam custos para alguns indivíduos e, dessa forma, faz-se necessária uma avaliação dos efeitos líquidos dessas ações realizadas pelos governantes em termos de utilidades individuais (felicidade).

Além do resultado fático apontado pela criação do IRBES, tal índice merece ser tido por nossos governantes, especialmente, como uma importante variável determinante no cálculo da felicidade de nossa sociedade, mantendo-se em linha de raciocínio que as medidas de felicidade consistem numa nova maneira de avaliar os efeitos de mudanças nas atividades de gasto do dinheiro arrecadado pelo governo.

As atividades do Estado brasileiro são realizadas dentro de um modelo de bem-estar social, Estado este que preceitua postulados fundamentais pautados por um conjunto de princípios republicanos, tais como igualdade, liberdade e fraternidade, os quais, quando entabulados para sustentar o direito ao desenvolvimento social, dão margem à caracterização da felicidade social como importante valor de justificação das finalidades do Estado.

O resultado do estudo feito pelo IBPT, com a criação do IRBES, evidencia a falha do Estado brasileiro em proporcionar um elevado bem-estar e felicidade social, o que pode ser justificado, por exemplo, com a constante propagação das negligências dos serviços públicos, consideradas por Amartya Sen como fator limitador do desenvolvimento social.(destaque nosso DC)

Nossos governantes, que atuam no uso do dinheiro fruto da arrecadação tributária, devem interpretar o resultado do estudo do IBPT e o IRBES pensando na felicidade como fim característico do Estado social contemporâneo, sabedores de que uma das proposições fundamentais da filosofia política clássica é a de que o fim dos governos não é somente a maior liberdade possível, mas também a maior felicidade possível num contexto republicano.

Referências bibliográficas:

IBPT: ESTUDO SOBRE CARGA TRIBUTÁRIA/PIB X IDH - CÁLCULO DO IRBES (ÍNDICE DE RETORNO DE BEM ESTAR À SOCIEDADE) - EDIÇÃO 2012 – COM A UTILIZAÇÃO DE ÍNDICES RECENTES, disponível em http://ibpt.com.br/img/_publicacao/14191/196.pdf?PHPSESSID=40dd015595e1e7b9438da2515365513c

GABARDO, Emerson. A felicidade como fundamento do interesse público. In: GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 325-371.

CORBI, Raphael Bottura; MENEZES FILHO, Naércio Aquino. Os determinantes empíricos da felicidade no Brasil. Revista de Economia Política, v. 26, n. 04 (104), out/dez. 2006, p. 518-536.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

MÍDIA AMERICANA PREPARA SUAS BATERIAS PARA A GUERRA, NOVAMENTE

O discurso gráfico do líder israelense Benjamin Netanyahu na ONU reacendeu a questão da guerra contra o Irã.

Zero Hedge sai com uma extensa matéria sobre a questão do Irã, American Media Drums Up Support for War … Again. quem puder ler em inglês vale o trabalho. De qualquer forma o pós-escrito é bem esclarecedor:

Oficiais superiores do exército e da inteligência americana e israelense dizem...

* O Irã não se decidiu a construir sua bomba.

* Ainda se o Irã a construísse, poderia ser muito perigoso já que EUA e Israel possuem muito mais armas nucleares.

* Atacar o Irã só aceleraria o desenvolvimento de armas nucleares, dando mais poder à linha dura e minando as chances de uma reforma democrática.

* A despeito da retórica pesada o Irã é um "ator racional". Por exemplo, em 2011 o diretor da inteligência nacional americana James Clapper testemunhou perante o congresso americano que "nós continuamos a julgar as decisões nucleares iranianas como guiadas por uma abordagem custo-benefício". Em fevereiro de 2012 o general Ron Burguess, diretor da agência de inteligência de defesa, disse ao congresso que : "a agência considera que o Irâ não deseja iniciar ou provocar um conflito". Também em fevereiro o general Martim Dempsey, responsável pela Junta de Estado Maior das Forças Armadas, disse: Somo da opinião de que o Irã é um ator racional".

E a despeito do Irã ser um país muçulmano  atualmente judeus e cristãos são mais bem tratados, muito mais bem tratados do que no aliado dos EUA, a Arábia Saudita.

Não é difícil concluir sobre o que está realmente acontecendo e a quem de fato interessa o conflito. Também é bem fácil concluir que não interessa aos cidadãos americanos, nem aos israelenses e nem aos iranianos. Então à quem interessa?

Demetrio Carneiro

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

1,6%: A PIADA VAI VIRANDO REALIDADE



Não tem muito tempo, pouco mais de 90 dias,  Mantega ridicularizou a possibilidade do PIB de 2012 chegar a 1,5% prevista num relatório do Credit Suisse. Escolheu o banco suíço talvez por haver mais repercussão internacional. Na realidade internamente não eram poucos os especialista que já apontavam esta possibilidade. 

Foi mais ou menos por ai que Mantega criou a teoria do Cabo da Boa Esperança. De olho numa recuperação esperável para o fim de ano o ministro anunciava aos quatro ventos a retomada "em breve" da economia brasileira e um crescimento de 4%. Depois explicou melhor, que o crescimento nos trimestres seguintes, se anualizado seria de 4%.

Muito bem, além de não dobrarmos o Cabo é o BC que respeitosamente baixa a previsão do PIB de 2012 para 1,6%. Imaginamos que na próxima revisão para baixo deverão falar em 1,49% para não deixar o ministro vexado.

O grande problema deste jogo de mídia é que as oportunidades vão se esvaindo por conta das leituras equivocadas. Os mandatos de Lula se deram em boa parte num contexto muito positivo. Teria sido o momento de buscar transformações significativas nas estruturas e nas instituições da economia brasileira, mas o foco era o poder e sua manutenção com base no gasto público crescente e de resultados imediatos. Os investimentos sofreram um criterioso corte midiático, transformados em PAC resultaram em quase nada de positivo. 

Apesar dos pesares os bons anos de crescimento mais acelerado nos trouxeram a "nova classe média" criando condições históricas para um mercado de massa que hoje bate na trava da falta de investimentos e se recente de uma transformação qualitativa que eleve a plataforma de consumo, mas que é perfeitamente adequado ao atual momento de crescimento mais lento. Ao menos enquanto mantiver o ritmo de emprego e correção real da massa salarial.

Para desenvolver e ampliar esse mercado de consumo de massa novas e mais arrojadas mudanças serão necessárias. Necessário o investimento não apenas nas bases materiais da economia, mas ele também precisa se dar nas bases imateriais, no Capital Humano. Mais uma vez, como na questão do investimento e da formação de poupança, não há atalhos e os resultados jamais são imediatos. Mais uma vez se olha para outro lado. A dúvida para muitos é o quanto uma eventual rotação de poder mudaria esse quadro de uma economia "sendo levada".

Já a inflação "sob controle" vai para 5,2%...

Por enquanto a piada mesmo continua sendo a permanência do ministro.

Demetrio Carneiro

terça-feira, 25 de setembro de 2012

PRODUÇÃO DA PETROBRAS EM QUEDA: E AGORA DILMA?


A Dilma que está na ONU para discursar representando o Brasil é a mesma que foi vendida ao mundo e ao Brasil como a “gerentona”.

A produção da estatal brasileira do petróleo cai pela primeira vez em cinco anos por falta de investimentos. A promessa do Pré-Sal, badalada por Lula e Dilma como o futuro do país, está enterrada de baixo de 2 mil metro de sal e demandando investimentos que não estão mais disponíveis.

Tudo resultado de uma “herança maldita”, fruto da gestão de...Dilma.

E agora Dima?

Demetrio Carneiro

A maior parte da produção está em alto-mar e vive declínio

Folha de São Paulo

A produção da Petrobras em 2012 deve ficar pela primeira vez em cinco anos abaixo da do ano anterior.

Apesar dos investimentos na recuperação de campos maduros terrestres, o grosso daprodução da empresa é proveniente da bacia de Campos, em alto-mar, que está em operação desde os anos 80 e vem apresentando declínio.
O primeiro sinal de alerta foi dado em março deste ano, quando a produção total caiu abaixo do patamar de 2 milhões de barris diários, alcançado pela primeira vez em setembro de 2009.

Os motivos, dizem especialistas, foram investimentos abaixo do esperado na bacia de Campos, responsável por 80% da produção da estatal.

Desde 2007, o foco da companhia passou a ser a região pré-sal da bacia de Santos, onde encontrou reservatórios gigantes, porém ultraprofundos e preservados por uma dura camada de 2 km de sal a ser perfurada, o que requer investimentos elevados.

O reconhecimento da falta de investimentos em Campos foi feito pela própria empresa, que em julho anunciou o Programa de Aumento da Eficiência Operacional da Bacia de Campos (Proef), de US$ 5 bilhões, após ser obrigada pela ANP a rever planos de desenvolvimento na bacia.

A ANP chegou a fechar plataformas da Petrobras na bacia de Campos, no ano passado, e deu prazo até o final de setembro para a estatal apresentar novos planos para aumentar o aproveitamento dos reservatórios.

COMPARAÇÕES SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE RENDA: COMEMORAR OU REFLETIR?

Com o governo empenhado em provar que inventou a classe média que faltava para criar um poderoso mercado interno capaz de alavancar a economia nacional, sonho de décadas do desenvolvimentismo, faz todo o sentido a nota da presidência do IBGE comemorando a redução da distancia entre ricos e pobres, medida pelo recuo do Índice de Gini de 0,518(2009) para 0,501(2011). A nota trás ainda uma série de informações relevantes mostrando o que já havia sido possível deduzir da evolução da massa salarial real nos últimos anos: Houve um consistente aumento da qualidade de vida dos brasileiros menos privilegiados nos últimos anos. A notar que mesmo o crescimento bem abaixo do previsto,  PIB/2012 mais provável de 1,5%, não afeta este quadro.

Feitas as devidas comemorações podemos agora, com base nos dados da PNAD 2011, procurar refletir sobre outra forma de olhar os mesmos dados...
Olhando para como a renda declarada se distribui, fazendo uma conta bem simplificada, os números são:

O segmento “até dois salários ( R$1.244,00)” engloba perto de 77 milhões de pessoas, que são 69% dos declarantes com renda. A renda deste grupo é cerca de 35% da renda total. Enfim, a população que recebe até dois salário corresponde à 69% de toda a população e tem 35% de participação na renda total. Se passarmos a considerar o grupo “sem rendimentos” ( que inclui pessoas sem qualquer rendimento de trabalho declarado e beneficiários em geral – cerca de 51 milhões de pessoas), teremos 79% da população com qualquer tipo de renda abaixo de dois salários [1].

Na outra ponta, segmento “acima de 10 salários”, que engloba pouco mais de 3,1 milhões de pessoas, 2,8% da população total, está 19% da renda.
Simplificando: 69% da população que declarou renda de alguma espécie de trabalho tem pouco mais de 35% da renda total, ao passo que 2,8% detém 19%...Bom notar que a população considerada nesta PNAD corresponde a cerca de 82% da população total do Brasil.

Outra comparação interessante: Tendo por base o estamento acima de 10 salários podemos afirmar que a renda anual desses 2,8% da população que declarou algum tipo de renda é de, no mínimo, U$ 39 mil anuais, padrão de primeiro mundo. Já a renda média, segundo o IBGE, é de U$ 8,3 mil anuais (R$ 1.345,00). No estamento até dois salários, 69% da população considerada, significa uma renda anual de cerca de U$ 7,7 mil. Ou seja 69% tem uma renda anual que é menos de 1/5 da renda de 2,8%.

Essa questão fala do futuro e dos caminhos para mudar esta realidade. É ai que a questão do Capital Social interfere. Se podemos hoje, enquanto nação, oferecer condições de uma melhor qualidade de vida para os segmentos de menor renda isto não quer dizer que apenas pelo crescimento da renda real vá haver alguma mudança de fato significativa no perfil de concentração de renda. A única alternativa de mudança, dentro do quadro de uma perspectiva democrática, é o investimento no Capital Social, o que nos leva de volta para um sistema educacional que está muito longe de poder responder às necessidades do país. Nas próximas décadas o bônus demográfico só irá acentuar e tornar mais complexo este desafio.

É bom comemorar, mas é melhor refletir.

[1]
Outras rendas como benefícios previdenciários, abonos e seguros desemprego, benefícios da LOA e o programa Brasil sem Miséria somam R$ 384 bi, segundo a Lei Orçamentária de 2012. Embora seja uma massa considerável em termos de consumo, do ponto de vista per capita estão bem abaixo dos dois salários, o que certamente aumentariam mais ainda o perfil de concentração de renda.

Demetrio Carneiro

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A QUESTÃO DA SUSTENTABILIDADE DAS CIDADES 2


O AMBIENTE GERAL ONDE SE DÁ A QUESTÃO DOS ECOSSISTEMAS URBANOS

O fenômeno da urbanização veio para ficar e nossa América Latina está no topo do ranking da concentração urbana, junto com o Caribe, tendo em suas cidades mais de 80% da população local dos países . O confuso Estatuto de Propriedade da Terra e a agricultura de exportação encarregaram-se desse movimento que foi preponderante ao longo das décadas passadas, expulsando as famílias das zonas rurais e levando-as a buscar melhores condições de vida e os equipamentos e serviços públicos, já que é nas cidades que eles se encontram.

A concentração urbana no Brasil tem dados significativos. São mais de 55 milhões de brasileiros vivendo em 38 cidades com mais de 500 mil habitantes. 29% do total da população brasileira.Entre 2002 e 2010 53 novos municípios passaram de 90 mil habitantes. Na América Latina e Caribe a média é de 14% da população nas grandes cidades.Das cidades brasileiras 68 são totalmente urbanas, sem zonas rurais.  De outro lado 33% da população se distribui em 4.957 municípios [1].

Em paralelo há três fenômenos a considerar, ainda:

1) A inversão da pirâmide etária, prevista para 2050, gera um forte desafio nos termos da acessibilidade, equipamentos e serviços urbanos tendo em vista o fortíssimo incremento de idosos nos próximos anos[2];

2) Embora a desaceleração da expansão demográfica das cidades brasileiras caminhe na direção de um crescimento bastante moderado[3] a estrutura das cidades está mudando. Aumenta a mancha urbana pelo processo de descompactação das cidades, acelerando o desaparecimento das zonas rurais, com fortes impactos no meio ambiente local;

3) O êxodo das zonas rurais para a cidade perdeu seu ímpeto e hoje as migrações se dão entre cidades: das muito grandes e menores para as médias, mas também da periferia para o centro, por exemplo.

Enfim, tendo em vista a questão da sustentabilidade das cidades é preciso ter em vista que as dinâmicas urbanas mudaram no correr dos últimos anos. Não se trata mais de recepcionar populações, mas de mantê-las, lhes oferecer equipamentos e serviços públicos, dar qualidade de vida e oportunidades. Ao mesmo tempo as estruturas do tecno-ecossistema urbano vão se tornando mais complexas aumentando a necessidade de compatibilizá-las e torná-las mais amigáveis com os ecossistemas naturais.

Os números informam o quanto a questão das cidades passa a ser relevante e nela a questão da sustentabilidade tem um papel fundamental se pensarmos na qualidade de vida no longo prazo.

No sentido da ecologia a sustentabilidade é uma relação entre a atividade humana e o respeito aos limites ambientais do planeta de olho no futuro. Um futuro no qual as próximas gerações, nossos descendentes, possam usufruir das mesmas possibilidades que as gerações atuais, o que implica em relações de tentativa de compartilhamento e não supremacia e subjugação.

Do ponto de vista das cidades algumas questões se cruzam: urbanização, ecossistemas urbanos, a pegada ecológica das cidades. Vamos, por enquanto, nos fixar mais nos ecossistemas urbanos.

Embora a urbanização tenha um relevante papel nas mudanças ambientais vividas nos anos recentes há outras questões correlatas ao processo a serem consideradas: conversão das terras rurais para uso urbano, a extração e depleção dos recursos naturais necessários ao crescimento físico das cidades e a deposição dos resíduos urbanos.

Os impactos ambientais das cidades não se dão todos na mesma direção e com o mesmo grau de intensidade, estando determinados por um processo histórico e ao grau de desenvolvimento alcançado.

Nos países do Centro as cidades superaram boa parte de seus problemas ambientais mais imediatos (fornecimento de água potável, sanitização, gestão das águas servidas e dejetos e, por fim a poluição ambiental), embora historicamente possam ter passado por três fases bem distintas:

Uma que pode ser chamada de fase marrom correspondente aos primeiros momentos onde a cidade ainda se organiza e tem precariedades no fornecimento de água potável, esgotamento, ocupação ordenada do solo, com intensa depleção dos recursos ambientais locais e circunvizinhos. A fase seguinte pode ser chamada de fase cinza e corresponde à instalação das indústrias e todos os problemas ambientais decorrentes. Na terceira fase, a verde, a problemática se altera, pois embora os problemas primários estejam resolvidos aparecem os novos problemas como a geração de poluição em escala global, contribuição acelerada do tecno-ecossistema urbano ao aquecimento global, deposição da larga produção de resíduos sólidos oriunda dos estilos de hiper-consumo etc.

Já nas cidades dos países da semiperiferia, como o Brasil, os desafios envolvem:

a) Uso ineficiente dos recursos naturais disponíveis, no fornecimento de água potável, na ocupação do solo para a habitação ou no uso da energia;

b) Capacidade limitada para lidar com a poluição ou eventos extremos como fortes chuvas ou inundações.

Assim um rol de desafios dessas cidades envolveria minimamente:
- Poluição da água e do ar;
- Manejo dos resíduos sólidos;
- Uso inapropriado e desorganizado do solo.

Inúmeros fatores contribuem para que o problema se torne complexo:

- O impacto dos processos industriais contemporâneos e a toxidade de muitos materiais são desconhecidos. Eventualmente o que pode parecer ambientalmente benéfico acaba sendo um desastre ecológico. Algumas política públicas estão muito longe de ser prudenciais;

- Cidades de crescimento muito rápido podem estar sujeitas a conviver simultaneamente com desafios ambientais típicos de diferentes níveis de desenvolvimento (as fases marrom, cinza e verde podem ocorrer em linha), tornando os desafios muito mais complexos e difíceis de serem superados. Até pela dificuldade de eleger prioridades, quando cada nível demanda a sua própria prioridade. São Paulo, a capital, é o melhor exemplo, mas as cidades de porte médio podem ser gravemente afetadas por esse processo;

- Enquanto a lógica de descentralização é voltada para transferir a responsabilidade pelo desenvolvimento urbano do governo central para os governos locais, em boa parte dos casos esta descentralização não vem acompanhada da transferência de estruturas autônomas de investimento ou da criação de instituições locais capazes de estimular, dar oportunidades e promover a cooperação no desenvolvimento urbano[4]. Cerca de 80% dos municípios brasileiros não têm capacidade de geração de receita própria, o que praticamente exclui os governos locais como atores do desenvolvimento urbano;

- Com a democracia o envolvimento de novos atores é esperado e mais pessoas e instituições haverão de querer estar participando dos processos locais de tomada de decisão relativa às questões ambientais urbanas, tornando sua administração mais complexa.

Este é o ambiente geral onde se dá a questão dos ecossistemas urbanos. No próximo post iremos discutir os ecossistemas urbanos propriamente ditos e sua relação com o tecno-ecossistema criado pela humanidade em seu processo civilizatório.

Demetrio Carneiro

[1] 

Dados do Censo 2010 IBGE e do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Urbanos (ONU - Habitat).

[2]


Para Wagner Silveira, coordenador de divulgação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), esses números mostram a necessidade de investimentos em saúde para a população de mais idade. “Daqui alguns anos, vão sobrar vagas em escolas de ensino fundamental e vai aumentar a procura por equipamentos de saúde. Os gestores deverão pensar em menores investimentos em educação básica e maiores em educação técnica, ensino superior e, principalmente, em saúde”. 

[3]

“O crescimento demográfico das aglomerações metropolitanas tem sido declinante. Para melhor compreendê-lo, será feita a distinção entre o núcleo, que é a capital, e os demais municípios, que formam a periferia metropolitana. As capitais têm tido uma redução bastante acentuada em seu ritmo de crescimento. As maiores cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, na última década do século 20, tiveram um crescimento anual extremamente baixo. Deve ser sublinhado que, em função do tamanho da população dessas cidades, seu pequeno crescimento representou 40,0% do total da população dos aglomerados metropolitanos. Nessa direção da redução da velocidade do seu crescimento demográfico, caminham todos os núcleos dos aglomerados metropolitanos. Isso ocorre, em parte, pelo acentuado declínio das taxas de fecundidade, mas sobretudo pela redução de seus saldos migratórios.”

Expansão urbana nas grandes metrópoles o significado das migrações intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. Fausto Brito e Joseane de Souza. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392005000400003&script=sci_arttext

[4]

“Assim as instituições teriam um papel chave no desenvolvimento. Este papel se explica pela capacidade das instituições de administrarem a cooperação e o conflito, sobretudo num contexto de forte insegurança e instabilidade, como aquele típico dos processos de desenvolvimento.Portanto, seja no seu aspecto ‘micro’, como no aspecto ‘macro’, as instituições possuem uma função muito importante nas sociedades, e em particular as sociedades em desenvolvimento: determinar as possibilidades e formas em que podem acontecer tanto a cooperação quanto o conflito."

Cooperação e Conflito – Instituições e Desenvolvimento Econômico, Ronaldo Fiani, Ed. Campus, 2011

domingo, 23 de setembro de 2012

IDEOLOGIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

A questão da saúde no Brasil tem algumas frentes complexas: 


a) A universalidade constitucional, que joga no colo do setor público a atenção à saúde de todas e todos, colide com a incapacidade do Estado investir. Historicamente o Estado brasileiro é ineficiente em seus investimentos em qualquer segmento. É um problema semelhante ao do saneamento básico, cuja melhor previsão dá o ano de 2050 como meta para uma cobertura nacional regular; 

b) Neste ambiente o sistema tripartite coloca a gestão direta da saúde nas mãos das prefeituras. A absoluta maioria das prefeituras é evidentemente ineficiente e perdulária nas gestão dos recursos; 

c) Por mais que se fale o modelo geral continua sendo hospitalocêntrico. Há falhas absurdas na construção da atenção básica; 

d) O bônus demográfico a partir de 2030 virá pesadelo demográfico e por volta de 2050 a pirâmide etária brasileira estará invertida, como um aumento mais que proporcional da população idosa. Mais questões de acessibilidade, mobilidade, atenção preventiva, acesso universal aos medicamentos, cobertura hospitalar etc; 

e) A pesada concentração urbana (68 grandes cidades brasileiras já não têm mais espaço rural e mais de 80% da população vivem em zonas urbanas) pressiona na direção dos serviços e equipamentos urbanos, expondo claramente as dificuldades; 

f) Qual é exatamente o volume de recursos públicos apropriados privadamente pela rede neopatrimonialista instalada na área de saúde? Aqui no DF, por exemplo, os ACS são “quadros” dos políticos locais. É diferente o resto do país?
Leia a reportagem da Zero Hora: Auditorias no SUS detectam perdas de R$ 753 milhões em fraudes e erros nos últimos três anos.Quase R$ 688 mil foram gastos por dia nos últimos três anos de forma duvidosa


Em texto publicado dia 21 passado, no Valor Econômico, Carlos Augusto Grabois Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde se aventura no debate da relação entre saúde e desenvolvimento. O texto, Desenvolvimento e Saúde, na íntegra mais abaixo, trás uma proposta de debate que pode ser muito interessante sobre o papel da saúde, como parte do bem-estar coletivo, no desenvolvimento do Brasil e sua relação com o complexo econômico industrial da saúde, ou seja o sistema produtivo farmacêutico, equipamentos e materiais da saúde e serviços nesta área. É inegável que este debate deveria haver e que ele é conexo com o nosso desenvolvimento. O problema está no "como" fazê-lo...

“Após a crise do padrão de desenvolvimento do pós-guerra, do fracasso das experiências neoliberais na política nacional e no contexto da crise financeira global, o momento se mostra adequado para um novo pacto político, social e econômico, retomando-se a perspectiva de se construir um Estado de bem-estar contemporâneo, que recupere antigas promessas e enfrente novos desafios.” 

Toda a lista de problemas acima pode ser debitada ao “fracasso das experiências neoliberais na política nacional”? Retomar a “perspectiva de se construir um Estado de bem-estar....que recupere antigas promessas...” significa o quê exatamente? Dar mais Estado? Qual o passe de mágica? Faltou dar a fórmula mágica... 

O pensamento desenvolvimentista e sua leitura estatizante não percebem o óbvio: não é apenas o mercado que tem falhas. O Estado também as tem e compete ao gestor público saber achar o ponto de equilíbrio na políticas públicas navegando e escapando de ambas. Leituras ideologizadas não ajudam nada. 

Com todo respeito o pacto proposto por Grabois é muito parecido com o "pacto" sobre a violência no trânsito  que Dilma relançou recentemente, com direito ao Marcelo Tas "agora do lado de cá", estrelas globais... e a uma atualização de já levou nossa classe média emergente para 40 milhões. O discurso presidencial tem belas palavras, ótimas intenções, mas não tem um plano. É apenas uma afirmação de vontade. 

A crítica ao complexo econômico-industrial da saúde é conectada a uma Economia Política da Saúde dentro da complexidade de um processo de crescimento desigual, onde o autor aponta "a necessidade de uma mudança profunda na estrutura econômica que permita, mediante intenso processo de inovação, adensar o tecido produtivo e direcioná-lo para compatibilizar a estrutura de oferta com a demanda social de saúde."

Tudo bem, mas e dai?

Demetrio Carneiro

Desenvolvimento e saúde

Por Carlos Augusto Grabois Gadelha | Valor Econômico - 21/09/2012

É crescente a vulnerabilidade dos sistemas universais de saúde, pelas condições concretas de dificuldade de incorporação de tecnologias essenciais para a promoção, a prevenção e a atenção à saúde. O progresso técnico, reconhecido como base do desenvolvimento desde Adam Smith, Marx e Schumpeter, e todos os pensadores estruturalistas, como Celso Furtado, traz, simultaneamente, o risco de cindir a sociedade e acirrar a desigualdade entre os que têm acesso e os que não têm acesso às novas tecnologias.

Esse contexto histórico aponta para a necessidade de recuperação de uma abordagem estruturalista e de economia política para a construção de uma nova agenda, que articule desenvolvimento e saúde de modo mais complexo e abrangente e que permita atualizar os grandes objetivos da reforma sanitária brasileira, que inscreve a saúde como direito na Constituição de 1988, no cenário de uma globalização fortemente assimétrica, de revolução tecnológica e de (re)colocação da situação de dependência no campo da saúde.

É como se tivéssemos chegado a um limite em que o país enfrenta os novos e velhos fatores que reproduzem um círculo vicioso entre iniquidade e dependência tecnológica em saúde. A dimensão econômica e a dimensão da saúde como direito são interdependentes e sua integração faz parte de uma nova visão e de uma nova política.

A associação entre saúde e desenvolvimento pela via linear de sua contribuição para o "capital humano" e para a "produtividade" geral da economia embute dois riscos. Existe a possibilidade de aparecerem estudos com "evidências" estatísticas de que a saúde não seja tão funcional assim para o crescimento econômico, como de fato ocorreu em parte da literatura do início deste século. E se os países pudessem crescer - como os casos da China ou da Índia ilustram - com condições sanitárias perversas? O direito à saúde perderia legitimidade?

O segundo risco, também grave, é de que se passe a ver o processo de desenvolvimento como suave, sem conflitos, sem mudanças estruturais, bastando que aos esforços do investimento em capital físico se acrescente um esforço no investimento social e na saúde, em particular, não fazendo sentido pensar em assimetrias estruturais e em dependência tecnológica.

O complexo econômico-industrial da saúde é chave em um novo pacto, que vise construir um Estado de bem-estar contemporâneo

Todavia, relatório produzido pela Organização Mundial de Saúde ("Macroeconomia e saúde: investindo na saúde para o desenvolvimento econômico"/2001) deixou os comprometidos com a saúde quase em estado de euforia, mesmo com os riscos apontados. Enfatiza que a saúde é um fim em si e, além disso, é um fator favorável ao desenvolvimento econômico. Neste aspecto, ressalta, sobretudo, regiões com condições de saúde explosivas, como a epidemia de aids na África Subsaariana, indicando que a carga de doenças relacionadas a essa doença é de tal envergadura que limita qualquer possibilidade de crescimento econômico e de desenvolvimento.

Essa percepção é seguida em diversos outros trabalhos com foco especial na África Subsaariana, voltando a enfatizar a questão do impacto da aids na economia, como se a região fosse desenvolvida antes dessa doença ou tivesse alguma trajetória de desenvolvimento abortada. Com relação à questão tecnológica, limitam-se a propor a utilização de tecnologias de baixo custo e complexidade para o combate a doenças de alto impacto epidemiológico.

A relação entre saúde e desenvolvimento acaba reduzida à visão de que a saúde requer apoio por ser elemento inerente às políticas sociais básicas, que também gera efeito indireto sobre o crescimento econômico, decorrente apenas de sua dimensão social, implicando a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do ambiente geral para investimentos.

A agenda estrutural que envolve o padrão nacional de desenvolvimento, a concentração regional e pessoal da renda e a fragilidade de nossa base produtiva em saúde ficam completamente subsumidas nessa agenda "genérica" extremamente empobrecedora.

É preciso repensar a agenda, privilegiando os fatores histórico-estruturais que caracterizam nossa sociedade - o passado escravista e colonial e a conformação de uma sociedade desigual - e nossa inserção internacional e sua relação com uma difusão extremamente assimétrica do progresso técnico e, nos termos atuais, do conhecimento e do aprendizado, dissociados das necessidades locais.

É nesse campo que se dá o corte entre uma visão liberal e o pensamento desenvolvimentista. O tema saúde e desenvolvimento deve ser trabalhado a partir das necessidades de mudanças estruturais profundas em nossa sociedade. Torna-se relevante e diferenciadora a necessidade de uma economia política da saúde.

A agenda de saúde tem que sair de uma discussão intrínseca, insulada e intrassetorial e entrar na discussão do padrão do desenvolvimento brasileiro. Ou seja, implica pensar sua conexão estrutural com o desenvolvimento econômico, a equidade, a sustentabilidade ambiental e a mobilização política. A saúde se torna, assim, parte endógena da discussão de um modelo de desenvolvimento.

É nessa perspectiva analítica que se coloca a capacidade de aprendizado e de inovação em âmbito produtivo como fatores críticos para o desenvolvimento. Não se trata de discutir inovação porque é moderno ou porque as empresas que lideram o mercado mundial são intensivas em conhecimento e inovação. O que se discute é a dinâmica e os rumos de um novo padrão de desenvolvimento, remetendo para pensarmos qual padrão tecnológico e quais rumos e necessidades de transformação na base produtiva uma sociedade dinâmica e menos desigual requer.

O avanço do país no desenvolvimento com equidade envolve uma grande diferenciação do sistema produtivo (o que caracteriza a inovação) e uma forte expansão do mercado interno de massa, incorporando segmentos enormes da população. É certo que essa base nacional pode ser uma alavanca para as exportações. Todavia, é necessário colocar essas dimensões em seu devido lugar - caso contrário, continuaremos repetindo que outros países emergentes devem vistos como modelo por possuírem indústrias competitivas e exportadoras na saúde, tendo, como detalhe, um povo pobre e uma sociedade excludente e um sistema de saúde muito inferior ao brasileiro. Definitivamente, ou a inovação está incorporada na mudança do padrão de desenvolvimento ou perde o sentido.

É nessa dimensão que se coloca o tema do complexo econômico-industrial da saúde - (sistema produtivo farmacêutico, de equipamentos e materiais e de serviços de saúde), assumido nas estratégias recentes de política de desenvolvimento e consolidando-se com o aparato normativo do Brasil Maior.

O que se aponta é a necessidade de uma mudança profunda na estrutura econômica, que permita, mediante intenso processo de inovação, adensar o tecido produtivo e direcioná-lo para compatibilizar a estrutura de oferta com a demanda social de saúde.

A saúde possui dupla dimensão na sua relação com o desenvolvimento. É parte do sistema de proteção social, constituindo um direito de cidadania. E a base produtiva em saúde - de bens e serviços - constitui um conjunto de setores que geram crescimento e têm participação expressiva no PIB e no emprego formal (respectivamente, em torno de 9% e de 10%), que podem representar uma diferenciação profunda da estrutura produtiva. Essa diferenciação, que representa enorme esforço de inovação, é fundamental para viabilizar o consumo social de massa de bens e serviços, contribuindo para dotar o país de uma base produtiva adequada para uma sociedade mais equânime.

Os anos 1990 foram uma tragédia para nossa base produtiva e de inovação em saúde. Na medida em que o acesso à saúde se amplia, nos tornamos mais dependentes nos segmentos de maior densidade de conhecimento, com o déficit comercial saltando do patamar de US$ 1 bilhão no final dos anos 1980 para mais de US$ 10 bilhões no presente, considerando fármacos, medicamentos, equipamentos, materiais e dispositivos médicos. Essa questão "econômica" é uma questão de saúde pública, ao tornar nossa política social estruturalmente vulnerável.

As ideias e políticas que permeiam a noção do complexo econômico-industrial da saúde constituem um esforço para costurar o elo saúde-desenvolvimento retomando uma perspectiva estruturalista contemporânea, que incorpora os dois grandes pontos frágeis de nosso modelo de desenvolvimento: uma estrutura produtiva pouco densa em conhecimento - agora a assimetria não é mais entre indústria e agricultura, mas entre atividades densas em conhecimento e atividades sem grande valor agregado - e um sistema econômico e social ainda desigual.

O desafio que se coloca para o aprofundamento da reforma sanitária em bases contemporâneas é o de pensar, articular e implementar os princípios constitucionais de universalização, de equidade e de integralidade do sistema de saúde com uma transformação profunda da base produtiva, tendo o complexo da saúde como um elo forte e estratégico da economia. Essa transformação implica elevar o peso dos segmentos produtivos de bens e serviços de saúde que atendem a demandas sociais e que incorporam um grande potencial de inovação e de transformação advindo das ciências da vida. Todos os paradigmas tecnológicos que marcam a nova assimetria global se expressam de modo importante na área da saúde, com destaque para a biotecnologia, a química fina, os novos materiais, a eletrônica e todo o conjunto de práticas médicas nos serviços em que a produção se realiza.

Com isso, supera-se o tratamento "insulado" e setorial da saúde e o debate (restrito) em torno de sua funcionalidade para o crescimento, inserindo a área de modo endógeno no debate político sobre o padrão de desenvolvimento desejado. Essa perspectiva pode implicar tanto a simplificação de diversas tecnologias utilizadas no sistema quanto sua complexificação. Para sermos coerentes com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e com os requerimentos dos novos paradigmas tecnológicos, a definição das tecnologias estratégicas para o país não pode permitir a segmentação entre práticas sofisticadas e adequadas para alguns e práticas "simples" para a maioria da população.

A saúde é a área mundial que concentra os maiores esforços em pesquisa e desenvolvimento, em conjunto com a área de defesa, respondendo isoladamente por cerca de 25% de toda despesa mundial com inovação. A questão geral que divide as nações entre o mundo desenvolvido e os "outros mundos" se expressa de forma arrebatadora na área da saúde, evidenciando que somos parte não autônoma de um determinado modelo histórico de desenvolvimento.

Articular saúde e desenvolvimento remete para a necessidade de pensar o padrão geral de desenvolvimento e como ele se expressa e se reproduz no âmbito da saúde. Isso não constitui perda de foco sobre o tema saúde. Reconhece-se, sim, que somos parte de um determinado sistema capitalista, num país tecnologicamente dependente e com uma estrutura social e econômica desigual e com fragilidades estruturais marcantes.

Com essa perspectiva, trata-se de assumir que as perspectivas de transformação nacional também existem e se refletem na saúde, tanto em sua dimensão política e social quanto em sua dimensão econômica. Mais ainda, no âmbito de um novo modelo de desenvolvimento, a saúde constitui uma das atividades em que é possível - se bem que não necessariamente - articular a busca de equidade social e regional com o dinamismo econômico a longo prazo, que caracterizam o processo de desenvolvimento de um ponto de vista substantivo.

Após a crise do padrão de desenvolvimento do pós-guerra, do fracasso das experiências neoliberais na política nacional e no contexto da crise financeira global, o momento se mostra adequado para um novo pacto político, social e econômico, retomando-se a perspectiva de se construir um Estado de bem-estar contemporâneo, que recupere antigas promessas e enfrente novos desafios. A política para o complexo econômico-industrial da saúde certamente faz parte dessa aposta.

Carlos Augusto Grabois Gadelha* é secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, ex-vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Complexo Industrial e Inovação em Saúde da Fiocruz.