Com o governo empenhado em provar que inventou a classe média
que faltava para criar um poderoso mercado interno capaz de alavancar a
economia nacional, sonho de décadas do desenvolvimentismo, faz todo o sentido a
nota da presidência do IBGE comemorando a redução da distancia entre ricos e pobres,
medida pelo recuo do Índice de Gini de 0,518(2009) para 0,501(2011). A nota
trás ainda uma série de informações relevantes mostrando o que já havia sido possível
deduzir da evolução da massa salarial real nos últimos anos: Houve um
consistente aumento da qualidade de vida dos brasileiros menos privilegiados
nos últimos anos. A notar que mesmo o crescimento bem abaixo do previsto, PIB/2012 mais provável de 1,5%, não afeta este quadro.
Feitas as devidas comemorações podemos agora, com base nos
dados da PNAD 2011, procurar refletir sobre outra forma de olhar os mesmos
dados...
Olhando para como a renda declarada se distribui, fazendo uma
conta bem simplificada, os números são:
O segmento “até dois salários ( R$1.244,00)” engloba perto de
77 milhões de pessoas, que são 69% dos declarantes com renda. A renda deste
grupo é cerca de 35% da renda total. Enfim, a população que recebe até dois
salário corresponde à 69% de toda a população e tem 35% de participação na
renda total. Se passarmos a considerar o grupo “sem rendimentos” ( que inclui
pessoas sem qualquer rendimento de trabalho declarado e beneficiários em geral –
cerca de 51 milhões de pessoas), teremos 79% da população com qualquer tipo de
renda abaixo de dois salários [1].
Na outra ponta, segmento “acima de 10 salários”, que engloba
pouco mais de 3,1 milhões de pessoas, 2,8% da população total, está 19% da
renda.
Simplificando: 69% da população que declarou renda de alguma
espécie de trabalho tem pouco mais de 35% da renda total, ao passo que 2,8%
detém 19%...Bom notar que a população considerada nesta PNAD corresponde a
cerca de 82% da população total do Brasil.
Outra comparação interessante: Tendo por base o estamento
acima de 10 salários podemos afirmar que a renda anual desses 2,8% da população
que declarou algum tipo de renda é de, no mínimo, U$ 39 mil anuais, padrão de
primeiro mundo. Já a renda média, segundo o IBGE, é de U$ 8,3 mil anuais (R$
1.345,00). No estamento até dois salários, 69% da população considerada, significa
uma renda anual de cerca de U$ 7,7 mil. Ou seja 69% tem uma renda anual que é
menos de 1/5 da renda de 2,8%.
Essa questão fala do futuro e dos caminhos para mudar esta
realidade. É ai que a questão do Capital Social interfere. Se podemos hoje,
enquanto nação, oferecer condições de uma melhor qualidade de vida para os
segmentos de menor renda isto não quer dizer que apenas pelo crescimento da
renda real vá haver alguma mudança de fato significativa no perfil de
concentração de renda. A única alternativa de mudança, dentro do quadro de uma
perspectiva democrática, é o investimento no Capital Social, o que nos leva de
volta para um sistema educacional que está muito longe de poder responder às
necessidades do país. Nas próximas décadas o bônus demográfico só irá acentuar
e tornar mais complexo este desafio.
É bom comemorar, mas é melhor refletir.
[1]
Outras rendas como benefícios previdenciários, abonos e seguros
desemprego, benefícios da LOA e o programa Brasil sem Miséria somam R$ 384 bi,
segundo a Lei Orçamentária de 2012. Embora seja uma massa considerável em
termos de consumo, do ponto de vista per capita estão bem abaixo dos dois
salários, o que certamente aumentariam mais ainda o perfil de concentração de
renda.
Demetrio Carneiro